terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Era mais uma vez


“A Contadora de Histórias”.


“Era uma vez uma mulher cujo ofício era contar histórias. Ela andava por todo lado oferecendo sua mercadoria, relatos de aventura, de suspense, de horror ou luxúria, tudo a preço justo. Certo meio-dia de agosto, estava no meio de uma praça, quando viu caminhar em sua direção um homem altivo, magro e espigado como um sabre. Vinha cansado, com uma arma no braço, coberto da poeira de lugares distantes e, quando parou, ela percebeu um cheiro de tristeza e, imediatamente, soube que aquele homem vinha da guerra. A solidão e a violência tinham-lhe introduzido estilhaços de metal no coração e o haviam privado da faculdade de amar a si mesmo. É você a que conta histórias?, perguntou o estranho. Para servi-lo, respondeu ela. O homem pegou cinco moedas de ouro e as pôs na mão da mulher. Então, venda-me um passado, porque o meu está cheio de sangue e de gemidos, não me serve para percorrer a vida, estive em tantas batalhas, que lá esqueci até o nome de minha mãe, disse ele. Ela não pôde negar-se, por recear que o estranho caísse na praça, transformado em um punhado de poeira, como finalmente acontece aos que não possuem boas lembranças. Disse-lhe para sentar-se ao seu lado e, ao ver seus olhos de perto, sentiu uma pena imensa, um desejo invencível de aprisioná-lo nos braços. Começou a falar. Durante toda à tarde e toda noite, esteve construindo um bom passado para aquele guerreiro, colocando nisso sua vasta experiência e a paixão que o desconhecido lhe despertará. Foi um longo discurso, pois ela desejou ofertar-lhe um destino de novela, tendo que inventar tudo, desde o nascimento dele até o dia presente, com sonhos, anseios e segredos, a vida de seus pais e irmãos, até a geografia e história de sua terra. Finalmente amanheceu e, às primeiras claridades do dia, ela comprovou que o cheiro da tristeza se esfumara. Suspirou, fechou os olho, e ao sentir o espírito vazio como o de um recém nascido, compreendeu que na ânsia de satisfazê-lo, tinha-lhe entregue sua própria memória, não sabia mais o que era dela e quanto agora pertencia a ele, os dois passados haviam ficado enovelados em uma só trança. Ela penetrara até o fundo em sua própria história e não podia mais recolher as palavras, mas tão pouco quis fazê-lo, e então entregou-se ao prazer de fundir-se com ele na mesma história...”


(Trecho extraído do livro Eva Luna, de Isabel Allende, página 300/3001).